O maior escândalo da história do INSS

Coluna de opinião por Samoel Andrade — Diretor Nacional de Políticas Públicas da Rede Observatório BPC
Publicação quinzenal | Coluna Independente


Na data de hoje, escrevo esta coluna revoltado, indignado e profundamente ferido como cidadão e, principalmente, como ativista dos direitos das pessoas com deficiência e das famílias em situação de extrema vulnerabilidade.

O Brasil foi sacudido por um escândalo que expõe, de forma escancarada, a hipocrisia e o descaso com os mais pobres. Falo da Operação Sem Desconto, que levou ao afastamento do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, por envolvimento em um esquema de desvio de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. Isso mesmo: seis bilhões de reais roubados de dentro do órgão que deveria garantir segurança social e dignidade.

E mal tivemos tempo de respirar, a Polícia Federal deflagrou uma nova operação, a Cessatio, que desvendou mais um esquema criminoso envolvendo o BPC, com prejuízo estimado em R$ 16 milhões. Desta vez, advogados e até um delegado aposentado da Polícia Civil são acusados de falsificar documentos para conceder indevidamente benefícios a idosos venezuelanos que nem residiam no Brasil.

Enquanto isso, no mesmo dia, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, anuncia com entusiasmo uma estimativa de economia de R$ 9 bilhões com o corte de um milhão de pessoas do BPC. Essas pessoas, segundo ele, sairão do programa “pela eficiência” do pente-fino e “estímulo ao trabalho”.

Como se fosse razoável esperar que uma mãe solo, com um filho com paralisia cerebral, encontre emprego num país sem políticas públicas inclusivas, ou que uma pessoa com deficiência severa possa empreender na periferia do Norte ou do Nordeste, onde falta até o básico para sobreviver.

É o cúmulo da injustiça social: enquanto bilhões são desviados dentro do próprio sistema de seguridade social por meio de corrupção institucionalizada, o governo escolhe perseguir os mais vulneráveis, submetendo-os a revisões cruéis, cancelamentos arbitrários e humilhações burocráticas.

O mesmo INSS que se mostrou ineficiente para evitar o desvio de bilhões agora é visto como “eficiente” para cortar os benefícios de quem mais precisa.

O BPC não é um favor, não é caridade, e muito menos um privilégio. É um direito constitucional, garantido às pessoas com deficiência e aos idosos que vivem em situação de miséria. É o mínimo que o Estado pode oferecer para essas pessoas não morrerem de fome, frio ou abandono.

É vergonhoso que, em vez de ampliar e fortalecer esse direito, o governo federal escolha narrar os beneficiários como suspeitos, como fraude, como peso nos cofres públicos.

Se há fraudes no sistema — o que pode, sim, ocorrer — que se investigue, que se melhore o controle, que se puna os responsáveis. Mas isso não pode se transformar em pretexto para cortar em massa os benefícios e condenar milhões à pobreza.

É um ataque disfarçado de responsabilidade fiscal. É um plano de ajuste que mira no elo mais fraco da sociedade e o responsabiliza por uma crise que ele não criou.

E mais: como justificar o “peso” de R$ 1,3 bilhão por mês com o BPC, enquanto o desvio de R$ 6,3 bilhões foi ignorado por anos, atravessando dois governos?

A desculpa da contenção de despesas não se sustenta quando a corrupção interna custa mais caro do que o próprio benefício assistencial.

A verdade é uma só: o maior rombo do INSS não é o BPC. O rombo está na corrupção, na má gestão, na negligência e no desrespeito às vidas das pessoas com deficiência e suas famílias.

O que está em jogo não é economia — é a dignidade de milhões de brasileiros que dependem desse benefício para viver.

Não podemos aceitar calados essa perversidade. É hora de agir. A sociedade civil, os movimentos sociais, as entidades de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e todos os cidadãos conscientes precisam se unir contra esse ataque silencioso, mas devastador.

A Rede Observatório BPC seguirá mobilizada. Vamos cobrar explicações, pressionar o Congresso, acionar o Ministério Público, expor as contradições de um sistema que persegue os pobres enquanto protege os corruptos.

Não há justiça social sem garantir o BPC. Não há democracia real quando se tira de quem não tem nada. O maior escândalo da história do INSS é tratar os vulneráveis como culpados, enquanto os verdadeiros criminosos seguem impunes.

Que esse escândalo sirva de alerta. E que o Brasil, finalmente, escolha de que lado quer estar: do lado dos que lutam por dignidade ou dos que se beneficiam do silêncio e da omissão.

Coluna de opinião por Samoel Andrade — Diretor Nacional de Políticas Públicas da Rede Observatório BPC
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